A 8 de maio passado, 70 anos se passaram do fim da II Guerra Mundial, que demorou 6 anos (1939 a 1945) e custou um elevado preço à humanidade, pois ceifou milhões de vidas e dividiu o mundo em regimes diametralmente opostos, mas, na fase belicosa, se uniram para vencer um mal maior e ameaçador: o nazi-fascismo.
Ao término da cruenta guerra, eu já marcava presença num pedaço de terra chamado Itapecuru-Mirim. Era um garoto que ainda não amava Os Beatles e nem os Rolling Stones por que as duas fantásticas bandas musicais não existiam.
Embora fosse eu gente miúda, lembro que em minha terra e em minha casa aquele conflito mundial era acompanhado com o mais desusado interesse por conta de meu pai, Abdala Buzar, que, à época, possuía um aparelho de rádio, marca Philips, em torno do qual ele e os amigos ouviam todas as noites – mesmo com as dificuldades tecnológicas vigentes – as transmissões que a Rádio BBC de Londres levava ao ar e dava conta das beligerâncias que tinham por palco os países da Europa.
Superficialmente ainda retenho na memória o foguetório pipocado na frente da minha casa, bancado evidentemente pelo meu genitor, ao ser anunciado o final da guerra e a vitória dos Aliados.
Os anos se passaram, mas as remotas lembranças da sinistra guerra ficaram no meu pensamento e me levaram posteriormente em São Luis a procurar em livros, revistas e jornais os atos que causaram tão abominável conflito bélico e suas repercussões no Maranhão.
Conquanto os meios de comunicação da época estivessem sob rigorosa censura do Estado Novo, consegui extrair deles informações sobre os fundamentos da guerra e os motivos pelos quais os países, inclusive o Brasil, dela tomaram parte.
Graças às agências noticiosas nacionais e internacionais, os jornais de São Luis, bem ou mal, informavam os ávidos leitores a respeito das ocorrências no front da guerra e das ordens e das deliberações que as autoridades federais e estaduais ditavam e obrigavam a sociedade a cumpri-las rigorosamente, sob pena dos transgressores serem presos e julgados com base na Lei de Segurança Nacional.
Com o auxílio dos jornais que circulavam em São Luis, deparei-me com notícias de como a população se comportava e regia quanto às imposições e obrigações que as forças policiais, algumas esdrúxulas, outras draconianas, repassavam diariamente para o conhecimento da sociedade.
Daquele numeroso ordenamento policialesco, pincei estes avisos: proibição rigorosa dos estrangeiros, especialmente alemães, italianos e japoneses, radicados ou em trânsito em São Luis, do uso de rádio-amador para a comunicação com o exterior, bem como viajarem para qualquer localidade sem o prévio consentimento das autoridades; adoção de uma cota reduzida de combustível aos proprietários de carros particulares; criação de Comissão de Abastecimento encarregada de suprir regularmente o consumo de alimentos indispensáveis à população. O descumprimento dessa norma implicava em prisão e processo; organização de comissão para angariar metais preciosos para as Forças Armadas utilizarem no preparo de material bélico, bem como arrecadar recursos destinados à compra de avião para a FAB; preparar a população para o exercício de alerta aéreo noturno, com a cidade ficando por uma hora sem energia; rigorosa fiscalização sobre propaganda ou contribuição à espionagem em favor das forças inimigas. Quem assim procedesse seria rotulado de “quinta-coluna”. Por conta disso, um grupo de professores integralistas passou a ser vigiado, dentre os mais visados, Rubem Almeida, Solano Rodrigues, Luiz Gonzaga dos Reis e Tácito Caldas; convocação de voluntários e reservistas para se à Força Expedicionária Brasileira, que lutaria na Itália contra as forças do Eixo; instalação em São Luis de uma base militar, no Tirirical, para servir de suporte aos americanos nas batalhas navais e aéreas executadas pelos Aliados no Nordeste; instalação de um Plano de Vigilância a ser cumprido pelos prefeitos das cidades litorâneas, com a missão de prender os náufragos estrangeiros em praias maranhenses.
Além dessas ações, vale citar o caso que polarizou as atenções da opinião pública naquele tormentoso momento. Na cidade de Guimarães, ganhou força e repercussão um movimento para desvendar um mistério, produzido pelo imaginário popular em função do clima de apreensão e medo que dominava a todos.
Durante os meses de junho, julho e agosto de 1944, informações de Guimarães davam conta de que pescadores (sempre eles) e outras pessoas da comunidade estavam vivendo dias de alarme e de pavor. Segundo os pescadores, um animal de grande porte, como se fosse um monstro marinho, marcava presença diária nas praias guimarenses.
O animal tinha, conforme informações colhidas pela imprensa, a cor escura, longa tromba, dois grandes chifres e olhos enormes, medindo 50 metros de comprimento.
Os jornais de São Luis e de outras partes do país, logo tomaram conta do assunto e de Guimarães mandavam notícias sobre o “monstro marinho”, retratado um enviado de outras galáxias. As descrições sobre o tamanho físico e da ferocidade do animal variavam de acordo com a fecunda imaginação dos videntes.
A celeuma em torno da presença “do animal do outro mundo” era tão forte e rumorosa que a população se dividiu. Enquanto uma parte defendia uma ação para a morte imediata do animal, a outra achava que o melhor era abandonar a cidade antes que ela fosse destruída pelo “monstro”.
A situação chegou a um ponto de tamanha inquietação pública que as autoridades estaduais resolveram agir antes de o pior acontecer. O delegado de Polícia, Flávio Bezerra e o comandante Roush, observador naval norte-americano, partiram para Guimarães, onde uma operação, realizada com auxílio de um dirigível, permitiu que os pontos identificados pela comunidade como abrigo do “monstro” fossem todos meticulosamente vasculhados. Após longo e exaustivo trabalho, não se encontrou nenhum vestígio que apontasse a presença de qualquer “animal do outro mundo” em praias guimarenses.
Só depois dessa bem articulada operação policial, a comunidade começou a desarmar os espíritos e a tranqüilizar-se quanto à ausência do monstro marinho em Guimarães, o que levou a imprensa, que alimentava a situação, a deixar a cidade após três meses de sistemático noticiário sobre um fantasioso caso, que ganhou as manchetes nacionais e internacionais.