DA ARTE DE FALAR BEM DA SOGRA
Genro falar mal ou debochar de sogra é um fato aparentemente trivial. Isso vem de longe e dificilmente se apagará do imaginário popular, que tem se encarregado de difundi-lo como regra. A instituição do casamento, mais recentemente, vem sofrendo mudanças e passando por transformações, mas estas não conseguirão em curto prazo derrubar o muro da intolerância reinante entre sogra e genro. Na história das famílias, os registros de genros que convivem em harmonia com as sogras ainda são poucos.
De minha parte, não faço coro e nem pertenço ao grupo majoritário dos genros que costumam ridicularizar, desprezar ou de querer vê-las só pelas costas. Ao contrário dos que assim agem, vanglorio-me de gostar da mãe da minha mulher, a quem dedico incomensurável afeição e carinho, desde que a conheci. A família inteira de Solange é testemunha disso.
Hoje, no dia do aniversário de Dona Ruth, que chega aos 86 anos de bem com a vida, faço questão de homenageá-la publicamente, na certeza de que ela nasceu para ser a minha sogra. Por isso, devo-lhe veneração e respeito, desde que a minha vida cruzou com a da sua filha, ato que remonta aos primeiros anos da década de 1960.
Estou perto de completar 50 anos de casado, o que me dá o direito da estabilidade conjugal e, portanto, de proclamar que conquistei Solange e Dona Ruth simultaneamente. A primeira pelo impulso do amor à primeira vista. A segunda, pelo ímpeto da admiração à primeira vista e casada com o então vereador Mário Silva.
Á época, o casal Silva morava à Rua de Santana, em pleno centro urbano de São Luis. Nela, bem poucas lojas comerciais. Só casas residenciais. Numa delas Ruth e Mário moravam. Era um bangalow, de classe média e confortável. A família se completava com as filhas Solange, Eliza Maria, Eveline e Dilma. A primeira e a terceira estudavam na Escola Normal; a segunda e a quarta, no Colégio de Santa Teresa. A mãe de Mário, Dona Maria, também chamada de Cota, viúva do português José ou Zeca Silva, morava com eles.
A partir do meu namoro com Solange, iniciado em 1962, que travei conhecimento com a família Silva e com a qual passei a ter um relacionamento franco e fraterno, que cresceu e consolidou-se por conta do tempo e do sentimento devotado à primeira filha do casal.
Ela era bem jovem quando conheceu Mário Silva, rapaz bonitão e conquistador. Ambos estudavam no Colégio do professor Luiz Rego. Aos 17 anos e o namorado com cinco à frente, resolveram comunicar aos pais que não suportavam mais ficar longe um do outro e só casados poderiam viver.
De nada adiantou a resistência das famílias. Casaram-se sob as bênçãos da religião católica e da lei e começaram a construir a vida que sonhavam e desejavam: ter um lar onde pudessem, com os filhos, ser felizes. Mário ganhava pouco, por isso, levou Ruth para a casa de seus pais, na Rua das Barrocas.
Naquele ambiente saudável e fraterno, das filhas, Solange foi a que chegou primeiro. Em cumprimento ao controle da natalidade e com intervalo de dois anos, nasceram Eliza Maria, Eveline e Dilma. Depois de Eveline, Dona Ruth engravidou e teve prematuramente dois filhos do sexo masculino, mas não sobreviveram por falta de condições apropriadas dos hospitais de São Luis.
As filhas, protegidas e sob os cuidados dos pais e avós, tiveram educação esmerada e sem nada a lhes faltar na infância e na adolescência. Estudaram em bons colégios, com aulas particulares e, em fins de semana e férias desfrutavam as delícias e os prazeres do sítio de seu Zeca, pai de Mário, localizado na Maioba. De vez em quando, viajavam para o Rio de Janeiro, onde morava a tia Carmen e com ela passavam temporadas.
A família Silva sofre o seu primeiro e grande golpe com a doença que alvejou seu Zeca, obrigando-o a viajar às pressas para o Rio de Janeiro, onde se submeteu a uma cirurgia, que, ao final, não suportou e faleceu.
Depois disso, Mário assumiu a direção plena da família, tempo em que vendeu a casa – uma morada inteira da Rua das Barrocas, substituindo-a por uma alugada, na Rua de Santana, moderna, de menor tamanho, mas em condições de abrigá-los confortavelmente.
Nessa época, Mário Silva resolveu ingressar na política, candidatando-se a vereador pelo Partido Republicano, do qual seu pai era militante e prócer. Pelo PR, elegeu-se e cumpriu três mandatos na Câmara Municipal. Ao longo da campanha eleitoral, então árdua e difícil, sempre teve do seu lado a presença da esposa, Ruth, que se desdobrava para ajudar o marido, mas sem deixar de prestar assistência maternal e educacional às filhas.
Quando Mário pensava ser candidato a deputado à Assembleia Legislativa, se depara com o imponderável. Ele, dono de um coração vulnerável, foi surpreendido, em sua casa, às 5 horas da madrugada, por um enfarte fulminante.
Dona Ruth, que se encontrava no Rio de Janeiro, com a filha Eveline, a ser submetida a uma delicada cirurgia, teve de vir às pressas no primeiro avião para São Luis. O vôo atrasou e por pouco ficava sem ver a última imagem do marido, com quem teve uma longa jornada de vida e sempre voltada para ele e as filhas.
Viúva, não se descuidou no trabalho de educar as filhas, dando-lhes o necessário apoio moral e psicológico, que, como jovens, precisavam para enfrentar a nova etapa de vida que assumiriam em função de futuros compromissos profissionais e conjugais.
Com esta singela homenagem a Dona Ruth, feita com as pinceladas da admiração e da gratidão, espero ter cumprido o meu dever de primeiro genro e que há anos esperava por esta oportunidade para, sem medo de ser feliz, exaltar as suas virtudes de esposa, mãe, avó, bisavó, sogra e amiga.