Deixei propositadamente os dias correrem para que o impacto, a comoção e o pânico se pulverizassem e eu me sentisse liberto dos momentos aflitivos que passei dias atrás, para levar ao conhecimento dos leitores, das quase três horas de sofrimento, que redundaram num terrível processo de desespero, pressão e chantagem, a que fui submetido por uma organização criminosa.
O fato agora narrado, todo ele veraz, ocorreu no final da tarde de sexta-feira, 10 de abril deste ano. Estava em casa, sem a presença de Solange e da secretária que nos serve, cuidando, como sempre faço diariamente, da preparação de textos para os meus próximos livros, eis que o meu celular toca. Atendo-o e para meu desespero ouço nitidamente a voz de meu filho, Rodrigo, a implorar que vá ao seu encontro e livrá-lo das mãos de assaltantes, que o aprisionavam e ameaçavam matá-lo.
Sem pensar duas vezes fiz, sem querer, o que os bandidos desejavam: em completo estado de descontrole, citei o nome de Rodrigo e perguntei onde ele estava, visando ir ao seu encontro e tomar as providências, se fossem possíveis, para salvá-lo a qualquer preço da garra dos facínoras.
Ao pronunciar o nome de Rodrigo, involuntariamente, dei aos bandidos a senha que eles precisavam para deflagrar a metodologia da intimidação, da tortura e da extorsão de dinheiro.
As primeiras palavras de ordem dos bandidos foram para não me comunicar com ninguém por telefone ou qualquer outro meio, pois àquela altura eu estava sob o total poder deles e Rodrigo levado para a região de Imperatriz, onde, primeiramente, ficaria sob confinamento e posteriormente poderia ser morto, caso eu não obedecesse rigorosamente às ordens por eles emanadas.
A aflição se apoderou mais de mim ao receber o ultimato de rumar para o Tropical Shopping Tropical e ali estacionar com o dinheiro arrecadado em casa e munido de caneta e papel.
Com o carro estacionado, obrigaram-me a dizer a marca e a placa do veículo, bem como as minhas vestes. Depois disso, mandaram que procurasse a agência bancária mais perto do shopping e sacasse da minha conta dois mil reais, importância essa que chegaria à casa de quarenta mil reais, mas sabe Deus como, negociei para o valor do resgate baixar e ficar em torno de dez mil reais.
A ordem agora era depositar, na casa lotérica do Tropical, quatro mil reais, dois mil em contas separadas em nome de duas mulheres, contas essas que diziam ser clonadas e portadoras dos códigos 021, localizadas no Rio de Janeiro.
Após a comprovação de que o dinheiro estava devidamente creditado, ordenaram que os papéis relativos aos depósitos fossem rasgados e colocados num bueiro. Acabada essa operação, manifestei o desejo de falar com Rodrigo, no que foi negado pelo fato de que ele voltava do cativeiro e atravessava o campo de Perizes.
Quando imaginava que o meu sofrimento estava perto do fim, um comparsa do bandido apodera-se do telefone e, em tom de violência, faz novas ameaças à sobrevivência de Rodrigo, caso eu não cumprisse o trato de pagar os dez mil reais prometidos. Já que depositara quatro mil na casa lotérica, esperavam ainda a liberação de seis mil reais.
Como não podia sacar mais dinheiro do Banco do Brasil, acharam que eu tinha conta no Bradesco e deveria procurar uma agência e sacar a importância que faltava. Neguei-me a assim proceder, sob a justificativa de que estava sem cartão de crédito e cheque.
Por muito custo aceitaram as ponderações, mas continuaram a ameaçar Rodrigo com maldades de toda sorte. Nesse instante, mais uma jogada criminosa foi perpetrada. Obrigaram-me a sair do shopping, sempre monitorado por eles, e ir para a Avenida Castelo Branco, no São Francisco, e entrar na primeira farmácia. Assim o fiz e logo recebi instruções para anotar cinco nomes de mulheres e residentes no Rio de Janeiro e carregar os celulares delas com a importância de 200 reais. O caixa da farmácia avisou-me que o carregamento só poderia ser de 100 reais. Imediatamente pensei no pior, mas o safado espertamente mandou fazer a operação de 100 reais duas vezes.
Resolvido o problema, ordenou-me voltar para o carro, a fim de receber novas orientações, com vistas ao pagamento para completar os dez mil reais. Nesse instante, ainda sob intenso fogo da pressão e da chantagem, tive o primeiro lampejo de que tudo aquilo poderia ser uma farsa.
Tomei, então, uma atitude firme e corajosa e até agora não sei de onde tirei forças para agir e dizer em alto e bom que a partir daquele momento não mais os obedeceria. Lembrei-me de minha mulher, Solange, avoquei para mim as suas doenças coronárias e soltei a voz: – Estou indo agora e direto para o hospital, pois sou cardíaco, tenho quatro pontes de safena, um marcapasso, sinto a pressão arterial elevar-se, o que poderá me levar à morte súbita.
O bandido deve ter ficado apavorado com o diagnóstico que lhe dei e, por conta disso, deixou-me de mão, sem antes perguntar se eu tinha o telefone de Rodrigo. Respondi afirmativamente. Ele, então, fria e cinicamente, disse-me: – Telefone agora para ele, pois já está em casa.
Só assim, depois de quase três horas de sofrimento, desespero e aflição, retornei à minha casa, onde encontrei Solange impaciente e com o coração na boca, querendo saber o que acontecera comigo. Ela imaginou tudo, menos o tremendo golpe que acabara de ser vítima.