A 21 de dezembro do ano passado, o assunto abordado neste espaço girou em torno de três figuras humanas, as quais por seus atributos morais, intelectuais e profissionais, os selecionei como ícones: José Mário Machado Santos, Ricardo Bogéa e Joaquim Itapary.
De José Mário, disse o seguinte: “O conheci quando estudávamos no Liceu Maranhense, nos meados da década de 1950. Ele, mais adiantado, fazia o curso clássico, eu, o ginasial. A partir daquela época, passei a nutrir por ele inexcedível admiração, pelo brilho da inteligência e do indiscutível talento de líder.
“As nossas relações de amizade ganharam consistência e se estreitaram no Rio de Janeiro, onde eu estudava Agronomia e ele fazia pós-graduação em Ciência Política, no ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros.
“Eu era, naquele tempo, um tremendo alienado político e um lacerdista de carteirinha. Mas graças às saudáveis conversas com José Mário e as palestras ouvidas no ISEB e proferidas pelos maiores pensadores e intelectuais progressistas do país, ressaltando-se Álvaro Vieira Pinto, Guerreiro Ramos, Roland Corbisier, Hélio Jaguaribe, Ignácio Rangel e Celso Furtado, comecei a mudar de pensamento político e aderir às novas idéias para a condução do Brasil ao caminho do progresso e do desenvolvimento.
“Também, nessa época, em companhia desse querido amigo, conheci e consumi o que o Rio de Janeiro tinha de bom e do melhor no campo cultural. Influenciado por ele virei um ávido freqüentador de livrarias, bibliotecas, teatros, cinemas, lançamentos de livros, consertos musicais, shows de música popular brasileira, conferências e palestras de renomados escritores nacionais e internacionais. Até uma conferência do famoso escritor francês, Jean Paul Sartre, sem que eu soubesse uma palavra do idioma gaulês, fui ouvir.” Arrematei o meu comentário sobre ele com esta frase plena de gratidão: “Se sou o que sou devo a José Mário Santos.”
Hoje, volto a falar novamente sobre aquele amigo que a vida reservou-me o privilégio de por longos anos privar de seu fraterno relacionamento, mas abruptamente interrompido na semana passada em decorrência de uma surpreendente enfermidade que o levou de nosso convívio, ele, que a partir do ano passado, voltara, em companhia da inseparável Cleide, a fixar residência em São Luis, após quase 50 anos de vivência em Brasília.
Foi em 1965 que José Mário trocou São Luis pela capital da República, não por motivos irrelevantes ou simplesmente para mudar de ambiente. Circunstâncias políticas o fizeram tomar essa inexorável atitude, exatamente no momento em que construía em São Luis a sua vida familiar e pública.
Recém casado com Cleide e eleito vereador no pleito de 1962 à Câmara Municipal de São Luis, com fantástica votação, pelos seus reconhecidos méritos pessoais, cumpria o seu mandato com vigor e desembaraço, quando em abril de 1964 aflora o movimento militar que fez o país trocar a democracia pela ditadura.
José Mário, homem de esquerda, mas não comprometido com a subversão, começou a ser caçado pelas forças golpistas, com o propósito de privá-lo da liberdade e expurgá-lo da Câmara Municipal, ato rigorosamente cumprido pelos intimidados vereadores, que ao arrepio da lei, cassaram o seu mandato, iniciativa igualmente tomada pela Assembleia Legislativa, que cassou o meu mandato e do deputado Sálvio Dino.
Para não ser prezo em São Luis, a alternativa foi mudar-se para Brasília, onde ali encontrou a proteção de um grande e virtuoso político maranhense, o deputado Henrique de La Rocque Almeida, que ainda possibilitou ao casal condições de trabalho e de sobrevivência.
Na capital do país, ele e a esposa passaram a viver com mais tranqüilidade – ainda que algumas vezes tenha sofrido ameaças ou intimidações – tanto que progrediram profissionalmente e tiveram um filho, que pelo seu brilhantismo, chegou a projetar-se como técnico do Banco Central.
Mas a prematura morte do filho fez a vida de José Mário e Cleide mudar radicalmente. Brasília, em vez de sonhos, passou a ser pesadelo. Depois de uma temporada em Fortaleza, eles tomaram a decisão a mais acertada e conveniente: retornarem a São Luis, onde poderiam usufruir da companhia dos familiares e dos amigos aqui deixados.
Nos meados de 2014, deixaram definitivamente Brasília e estabeleceram-se nesta cidade, de onde estavam ausentes há meio século. Aqui, com residência num confortável apartamento do Calhau, José Mário e Cleide, já se habituavam à nova vida, advinda não apenas do convívio com os familiares, mas, também, da reaproximação com os amigos que ficaram felizes com o retorno deles às origens.
Quando tudo isso acontecia, um fato inesperado surge de modo cruel: José Mário não resiste ao ataque impiedoso e violento de uma virose, que, a despeito dos esforços médicos, o arrebata do nosso meio, que, de repente, perde uma de suas figuras mais inteligentes, lúcidas e íntegras.
Na fase de sua internação hospitalar, estive com ele duas vezes. Na primeira, se mostrava razoavelmente bem e mantivemos uma conversa longa em que a sua inconfundível risada chamava a atenção dos médicos e enfermeiros. Na segunda, já não era mais o mesmo. O quadro apresentado era sombrio e sinalizava algo de grave, pois pouco falava e se queixava de muitas dores. Essa visita ocorreu na manhã de 14 de fevereiro. Nessa noite, ele sucumbiu diante da morte. Infelizmente.