JOSÉ CHAGAS E O SARNEIZISMO

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Hoje, tenho o imenso prazer de ceder este espaço ao grande poeta e jornalista José Chagas, do qual transcrevo uma crônica de sua brilhante autoria, intitulada “Receita para extinguir o sarneizismo”.

Nela, Chagas, com a autoridade de notável escritor e observador dos fatos políticos, trata um assunto que ontem como hoje está em pauta: a tentativa de banir José Sarney da vida pública e de toldar a sua imagem política.

A crônica foi publicada neste jornal no dia 28 de agosto de 2006, portanto, há 9 anos, e continua uma atualidade incontestável.  Vejamos, pois. Quando se afirma, como li, outro dia, num jornal, que “em 40 anos de domínio político a oligarquia Sarney impôs ao Maranhão um legado de miséria e dor que quase não encontra paralelo na história das administrações públicas”, temos aí uma declaração que é também a clara confissão de quem subconscientemente fala em nome de um conjunto de culpados, ele mesmo incluído nisso, pois ninguém atualmente no Maranhão, entre governistas e supostos oposicionistas, gregos ou troianos, atenienses e jamaicanos, está fora do contexto sarneizista. Mostrarei como nisso não há exceção.

E cabe perguntar: quem são os que compuseram e ainda compõem essa tão malsinada oligarquia Sarney? Quem são eles? Haverá no Maranhão quem não saiba? São os mesmos que estão cuspindo nos pratos do lauto banquete oligárquico em que se refestelaram, durante os quarenta anos, agora tidos por eles como trágicos. A oligarquia não foi feita e mantida senão por esses infiéis elementos que dela se beneficiaram e agora maldizem, sem perceber que estão maldizendo-se a si mesmos.

Veja-se aquele que é hoje apresentado como o grande “líder” do grupo: – é a maior cria do Sarney, o mau filho político, a quem ele deu todas as condições de ser o que, por sinal, acabou não sabendo. E só se sabe dele hoje por causa da oligarquia. Veja-se outro que é também produzido pela oligarquia ou salvo por ela, e de tal forma que chegou mesmo a ser unha e carne com Sarney. Veja-se mais um que tem suas raízes no início da oligarquia e com a particularidade de tanto ser criado por ela como de ter ajudado na sua criação. Vivos e mortos se incluem nela. E há os que maculam a memória sarneizista de seus ancestrais, esquecidos de que são subprodutos da oligarquia.

Veja-se os que são oposicionistas (já mostrei que o Maranhão nunca teve oposicionistas) e que indiretamente, por meio de seu jogo dúbio, foram se contemplando com as benesses oligárquicas, pois a importância de Sarney politicamente é de tal monta que se torna benéfica tanto aos que estão do seu lado como aos que se dizem contra. Todos tiram partido dela, de um modo ou de outro. Todos devem a ela.

Há um oposicionista que muito habilmente sabe se apor, a ponto de, quando foi conveniente, andar politicamente de mãos dadas com Roseana, e até comemorou juntamente com os sarneys um aniversário da oligarquia. Agora diz que quer o Maranhão liberto, mas liberto naturalmente dele mesmo, como eu já disse, noutro artigo, pois que é parte complementar, queira ou não, da oligarquia que só hoje condena.

Outro, também, oposicionista, persiste graças à oligarquia, porque viveu alimentando-se da raiva que teve dela, sem nunca ser mais do que um raivoso, mas raiva que parece a mesma força, porque ele é hoje visto até como governista e em conluio, logo com quem, com aquele que bebeu do leite oligárquico, do começo ao fim de sua carreira política. Esses dois oposicionistas fazem parta da cooperativa de candidatos ao governo, cooperativa lembrada por um político que sempre lutou dentro da oligarquia, às vezes, de fato, contra, mas nunca sem renegá-la.

Ora, se a oligarquia de Sarney foi feita com essa gente toda, então, voltando-se à frase que citei acima, vemos que todos, sem exceção, contribuíram para tal legado de miséria e dor, que se afirma ali. Talvez essa gente tenha vagado durante quarenta anos no deserto, imitando os israelitas bíblicos. Agora querem chegar à terra de Canaã. Sarney abriu caminho para todos eles, mas se perderam dentro do tempo e do espaço e é como se muitos nem soubessem onde estavam. Descobriram-se agora e se negam, espantados de si mesmos, alguns já velhos e cansados, frutos podres do sarneizismo.

Falam desse tempo, como demônios aflitos que de repente descessem os espaços e ignorassem os rastros por onde passaram antes. Devem tudo ao Sarney, mas querem culpá-lo de tudo. E, de fato, Sarney tem a culpa de havê-los criado indistintamente. Eles próprios se tornaram os maiores defeitos de Sarney, que vê agora as criaturas se voltando contra o seu criador. Não atinam para o que fizeram nem para o que fazem e enraivecidos, alucinados, cegos de rancor, diante da projeção de Sarney na política nacional, usam de todos os meios possíveis para destratá-lo, como se com insultos pudessem diminuí-lo. E sendo impossível apagar-lhe o nome na história do Brasil, eles intentam pelos menos apagá-lo nas fachadas de prédios, em nossa cidade, numa espécie de consolo ao impotente ódio de que se acham tomados. Nem sequer percebem que com isso só demonstram a importância de Sarney. Sarney dói neles.

Na verdade, dói-lhes verificar que Sarney é o único entre os quatro ex-presidentes da República ainda vivos, que continua influenciando na política do país, sendo consultado e ouvido, enquanto os outros três estão mais apagados do que vela de aniversário, depois do sopro. Isso, que poderia ser orgulho para nós, eles não perdoam. Mas prosseguem, de qualquer modo, buscando aproveitar-se do sarneizismo, que sempre foi rendoso para eles. Alguns até descobriram que falar mal do Sarney é coisa que hoje dá dinheiro e assim lavam a burra nos jornais e na televisão.

Que se conclui disso? Que para exterminar de uma vez por todas o sarneizismo, como eles querem, (e eu até concordo em que é mesmo necessário), a receita é a seguinte: dar uma varredura geral em tudo, eliminando principalmente toda essa cambada que o Sarney criou em má hora. Em suma: jogar no lixo ou incinera os que só agora querem dar uma de puros, quando são eles os próprios miasmas que infectam o sarneizismo. Sem essa providência higiênica, nada feito. E se permanecerem, continuará ainda o Estado vivendo o sarrneizismo, mesmo sem a presença do Sarney. Eles sabem disso mais do que ninguém. E esse é o seu desespero.

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