A minha cidade, completa, amanhã, 144 anos de criação, ato ocorrido em 21 de julho de 1870. Por isso, permitam os leitores que eu a homenageie com este relato sintético sobre um acontecimento histórico transcorrido naquela vila, na primeira metade do século XIX, que fez parte da chamada Guerra da Balaiada, no curso da qual foram intensas e cruentas as lutas entre rebeldes e forças legalistas.
Sob o rescaldo dos ressentimentos decorrentes das lutas entre brasileiros e portugueses e dos desmandos dos presidentes do Maranhão, movimentos de rebeldia rebentaram no interior da província, onde vivia a população menos assistida.
O estopim da revolta deu-se a 13 de dezembro de 1836. O vaqueiro, Raimundo Gomes, para vingar a prisão de um irmão, invade a cadeia da vila de Manga, hoje a cidade de Nina Rodrigues, para soltar os prisioneiros ali detidos.
Dali, Raimundo Gomes, o Cara Preta, e seus asseclas partiram para conquistar e dominar o interior do Maranhão. A rebelião, vista como iniciativa de bandidos e marginais toma corpo com a adesão de camadas mais sofridas do campo e da cidade, desejosas de banirem do poder os tiranetes que dirigiam a província.
À proporção que o movimento crescia e impunha vantagem nas refregas contra as forças governistas, os rebeldes, insuflados pelos jornalistas Estevam Rafael de Carvalho, José Cândido de Moraes e Silva e João Lisboa, arrebanhavam numerosos contingentes humanos, sob o comando de outras lideranças, dentre as quais Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio, e Cosme Bento das Chagas, o Negro Cosme, este, chefe das legiões de quilombolas.
O movimento recrudesce mais ainda por culpa dos presidentes da Província, Pires de Camargo e o sucessor Manuel Felizardo de Sousa, que se mostram incompetentes para enfrentar os rebeldes, sobretudo após a invasão e a dominação de Caxias, em que exigiram para a cessação dos combates, a revogação da lei dos prefeitos, anistia para os revoltosos, dinheiro para o pagamento das tropas rebeldes, expulsão dos portugueses do Maranhão.
Depois de um ano de renhidas refregas, do indiscutível despreparo dos administradores maranhenses e do incremento da insurreição, que extrapolara para estados vizinhos, o governo Central nomeia o coronel Luiz Alves de Lima e Silva para presidente da Província e comandante das Armas.
A 7 de fevereiro de 1840 investe-se nos cargos e após lançar um manifesto ao povo maranhense, monta estratégias para sufocar os amotinados e restaurar a tranqüilidade no território maranhense. As forças sob seu comando, intituladas de Divisão Pacificadora do Norte, são distribuídas em três colunas e com ações e operações bem estruturadas e articuladas, os revoltosos vão sendo esmagados por ataques rápidos e fulminantes, cedendo espaços conquistados e desertando do campo da luta.
Para acelerar o processo de desintegração da rebelião, o comandante das Armas, no dia 7 de março de 1840 inicia uma excursão às vilas conflagradas. Em Itapicuru-Mirim, instala um entrincheirado depósito de munições e víveres, e um improvisado um hospital, para socorrer os mais necessitados.
No dia 14 de junho, ele é surpreendido com a notícia de que a guarnição da vila de Itapicuru sublevara-se por falta de pagamento de soldos aos subordinados. O movimento cresce com a prisão, altas horas da noite, da oficialidade.
Imediatamente uma operação foi acionada, com a ordem para as forças circunvizinhas se deslocarem para aquela vila e atacar os insubordinados. De São Luís, também foi expedido um destacamento a bordo do vapor Fluminense.
Os líderes do movimento, os sargentos João do Rego Barros, Antônio Ciríaco dos Passos e Ezequiel Luiz da França, além de incitarem os soldados, prenderam , desarmaram os oficiais e expediram mensageiros para Bela Água em busca de Raimundo Gomes e de reforços. Simultaneamente, deram um ultimato ao comandante da vila, consubstanciado no imediato pagamento de soldos. Para não comprometer a vida dos moradores da vila e salvaguardar o depósito de munição e de víveres, o presidente da província consegue junto aos habitantes um empréstimo para o pagamento devido à guarnição. Nem assim os sublevados depuseram as armas.
À noite, por um vacilo dos rebelados, os oficiais evadiram-se da prisão e se juntaram às tropas de outras localidades para atacá-los. No rio Munim, os reforços solicitados a Raimundo Gomes foram inapelavelmente massacrados pelas tropas legalistas, após um combate de 18 horas, ao final do qual morreram 10 rebeldes e muitos ficaram feridos.
Depois disso, o presidente Lima e Silva, que se achava em Itapicuru-Mirim, além de castigar os revoltosos, submeteu ao conselho de investigação os chefes do movimento, guarneceu a vila com novas tropas e montou nova operação, desta feita, na ribeira do Itapicuru, onde se concentrava grande parte da população escrava do Maranhão, liderada pelo negro Cosme, que se auto-proclamava Tutor e Imperador das Liberdades Bem-Te-Vis, assustava os fazendeiros e as forças governistas, por achar-se à frente de três mil quilombolas.
Nos meados de 1840, a “guerra civil do Maranhão”, mostrava que as forças legalistas, em superioridade, já exerciam forte domínio sobre os rebeldes, aos quais impunham perseguições intensas e consistentes, recuos, deposições de armas, prisões e mortes, afora as retomadas de vilas.
Contra as principais cabeças da revolta, deflagraram-se ataques implacáveis que visavam à rendição ou capitulação de Raimundo Gomes, do Balaio e de Cosme Bento das Chagas. O primeiro a deixar o campo da luta foi o Balaio, morto em conseqüência dos ferimentos recebidos em combate.
A prisão do negro Cosme, que à frente de centenas de escravos, resistia ao cerco das forças governistas, deu-se no lugar chamado Calabouço, no Mearim, em janeiro de 1841, após contundentes combates, em que morreram 50 quilombolas e mais de 100 foram capturados. Depois de cair nas mãos dos legalistas, Cosme foi removido, sob forte escolta para São Luís, onde, por medida de segurança, permaneceu até a conclusão do processo pela prática de crimes, a maioria na ribeira do Itapecuru, fato determinante para ser julgado naquela comarca.
Em 6 de abril de 1842, o prefeito de Itapicuru-Mirim, Joaquim José Gonçalves, informava ao presidente da província, João Antônio de Miranda, que Cosme Bento das Chagas fora submetido a julgamento e sentenciado à pena de morte.
No dia 8 de agosto de 1842, o ministro da Justiça, Paulino José Soares de Sousa, com base na sentença que condenou Cosme à pena de morte, e do relatório do juiz de Direito, anunciava que o Imperador autorizara a execução do réu “por não ser digno da graça do Poder Moderador à vista de tais papéis”.
A 9 de setembro, Francisco de Serra Carneiro, Juiz Municipal e de Órfãos de Itapicuru-Mirim manda executar o negro numa forca colocada no lugar mais público da vila, em frente ao prédio da Cadeia e da Câmara Municipal, hoje, sede da Casa da Cultura do município.