A 29 de setembro de 1821, as Cortes portuguesas tentaram recolonizar o Brasil, através de decretos que exigiam a volta de D. Pedro a Lisboa, a extinção da regência e que as províncias, como unidades administrativas, voltassem à subordinação de Portugal.
Quando a população do Rio de Janeiro tomou conhecimento desses decretos, ganhou corpo o movimento para evitar que D. Pedro retornasse a Lisboa e impedir que a tão sonhada emancipação do Brasil de Portugal, em plena gestação, fosse interrompida.
A 9 de janeiro de 1822, após receber vários manifestos e gritantes apelos, o príncipe-regente decidiu dar um basta naquela aflitiva situação, fazendo uma declaração que marcaria definitivamente sua adesão à causa brasileira: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, digo ao povo que fico”.
Este ato, pela sua relevância histórica, tornou-se conhecido por Dia do Fico, sendo considerado o ponto de partida do movimento que fez o Brasil se tornar independente de Portugal.
Cento e noventa e dois anos depois do famoso gesto de D. Pedro, o Maranhão foi palco, na semana passada, de um momento cênico, realizado em circunstâncias políticas nada semelhantes ao do período regencial, mas que tende a passar para a posteridade como um ato representativo de um novo Dia do Fico, pronunciado em alto e bom som pela governadora Roseana Sarney e num instante delicado de sua trajetória pública: “Hoje, estou aqui para dizer a todos que eu vou ficar no governo”.
Desde o final de 2013, as negociações políticas, em torno da posição de Roseana Sarney quanto ao processo de sua sucessão, vinham sendo realizadas no Poder Executivo e Legislativo. O assunto dominou a capital e o interior do Estado com desusado interesse, por conta de notícias desencontradas e de boatos extravagantes. Houve ocasião em que se dava por certa a renúncia da governadora do cargo para se candidatar ao Senado da República. Mas logo vinha o desmentido e o assunto voltava ao ponto morto, mormente porque a sua renúncia implicava na assunção do presidente da Assembleia Legislativa, deputado Arnaldo Melo ao governo, ato não visto com bons olhos, na suposição de que ele poderia melar o processo sucessório.
O fato, transformado em mistério shakespeareano, só ganhou visibilidade ao se avizinhar o prazo de desincompatibilização, quando de própria voz e sem maiores delongas, Roseana anunciou ficar no cargo até o final do mandato.
Com o “fico” da governadora, gesto que provocou inesperada reviravolta no cenário político estadual, uma inapelável pergunta vem a lume: será que em outra fase da história do Maranhão, algum governante não teria também deixado a população na expectativa diante do dilema de cumprir o mandato ou renunciá-lo?
Se alguém imagina que o “fico não fico” de Roseana foi um ato isolado e inédito no Maranhão, não se espante com o que vou narrar. Em época não tão longínqua, o povo maranhense também ficou à espera do ato gestual de um chefe do Poder Executivo quanto à sua eleição ao Senado. Esse governador tem tudo a ver com Roseana, tanto do ponto de vista biológico como político. Trata-se do próprio pai, José Sarney, quando exercia o cargo de governador do Maranhão.
Graças à minha privilegiada memória, lembro que em 1970, portanto, há 44 anos, o governador Sarney também tomou uma atitude parecida com o da filha. Que se traga à baila o episódio, para conhecimento das novas gerações e recordação dos mais idosos.
Sarney, empossado governador em janeiro de 1966, teria o seu mandato findo em janeiro de 1971. Mas em outubro de 1970 seriam realizadas as eleições para o Senado e o Maranhão teria direito a eleger dois representantes. Logicamente, uma das vagas seria para ele, pelo seu extraordinário governo e pela estupenda liderança popular conquistada.
A partir do momento em que os partidos começaram a se movimentar com vistas àquelas eleições, Sarney, tal como Roseana, mostrava-se indeciso quanto à sua candidatura, por entender que precisava concluir as obras planejadas e ainda em execução.
O fica não fica de Sarney só chegou ao fim com a aproximação do encerramento do prazo de desincompatibilização. Ao voltar de uma viagem a Brasília, no dia 10 de maio, anunciou, finalmente, a sua decisão.
Ao contrário de Roseana, que ficou no governo, Sarney acabou com as especulações geradas nos meios políticos, renunciando ao cargo para candidatar-se a uma das vagas de senador, já que a outra estava reservada para Alexandre Costa.
No dia 15 de maio, como estava escrito nas estrelas, Sarney, em solenidade pública e realizada na Avenida Perdo II, com a participação de numerosa multidão, transmitiu o cargo ao vice, Antônio Jorge Dino, em clima de paz e amor.
Esse clima, contudo, à medida que a campanha eleitoral avançava, pulverizou-se até chegar ao rompimento pessoal e político entre Sarney e Dino, amigos fraternais, mas que se desentenderam por motivos nada relevantes, como, por exemplo, a presença de Cafeteira no pleito senatorial, concorrendo ao cargo pelo MDB.