NÃO HÁ MAIS DOIDO COMO ANTIGAMENTE

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“Um fato inusitado chamou a atenção dos passageiros que estavam no aeroporto marechal Hugo da Cunha Machado, em São Luis, na tarde ontem. Segundo a Polícia Federal, um homem de cidadania croata surtou e acabou sendo detido após tirar a roupa em uma área reservada para embarque dos passageiros”.

Esta notícia, publicada quinta-feira em O Estado do Maranhão, deu margem a que desusados comentários aflorassem na cidade. Depois de lida, uma reflexão e uma pergunta logo se impuseram: por que um ato, até pouco tempo recorrente em São Luis, causou tanta celeuma a ponto de ser imediatamente postada nas redes sociais e alvo de fantasiosas elucubrações?

Abstraindo as divagações médicas a respeito do surto que se apoderou do croata, no aeroporto do Tirirical, levo a crer que a notícia repercutiu por um simples motivo: São Luis está carente de doidos. Atualmente, não são mais vistas aquelas figuras portadoras de doenças mentais, que viviam dia e noite perambulando pelas ruas da cidade, praticando insanidades, antigamente chamadas maluquices e doidices, diagnósticos que a medicina tratou de expurgar de seu glossário, mas deu-lhe um nome mais sofisticado: surto psicótico.

Registra a história que os problemas das doenças mentais, em São Luis, vieram à tona, como assunto de saúde pública, a partir do primeiro quartel do século XX, quando a imprensa começou a exigir que os governos construíssem um hospital para alienados. O governador Godofredo Viana (1922-1926) chegou a adquirir o sítio Liberdade, no Cutim, para construir uma colônia para psicopatas. A obra, contudo, não foi adiante.

Na verdade, a construção do hospital destinado aos doentes mentais ocorreu na gestão do interventor Paulo Ramos, que o inaugurou em março de 1941. Com seis pavilhões e bem equipado, instalou-o em terreno pertencente ao sítio Dois Leões, no antigo Caminho Grande, com o nome de Hospital-Colônia Nina Rodrigues, para o qual foram transferidos os infelizes insanos, alguns internados nas prisões como criminosos, outros albergados em verdadeiras “casas de mortos’, vivendo na mais triste miséria e em nociva promiscuidade.

Recuo aos meus idos de jovem e lembro como era expressiva a quantidade de doentes mentais existente em São Luis e encontrada diariamente em locais movimentados e ruas do centro da cidade. Havia doido de variados tipos e para todos os gostos: alegres, brincalhões, tristes, pacíficos, inofensivos, agressivos, atrevidos, falastrões, calados, maltrapilhos, arrumadinhos, grosseiros, calmos, inteligentes e rudes.

Alguns, paradoxalmente, até alegravam a população pelo modo como falavam e contavam histórias, quase sempre fantasiosas, a respeito de suas vidas. Outros, contudo, mostravam-se arredios, intolerantes e sem nenhuma censura quando chamados por apelidos. O mais popular deles, Humberto Coelho, conhecido por Vassoura, não perdoava quem assim o chamasse. De sua boca saiam os palavrões mais pesados e terríveis, que abalavam a sociedade, numa época em que o vocábulo sacanagem agredia os bons costume e a moral. O insano João Pessoa também ficava extremamente irritado quando a molecada dizia que ele não casaria. Batia o pé, soltava impropérios e garantia não ficar solteiro.

O saudoso compositor e poeta popular Lopes Bogéa escreveu um livro interessante a respeito dessas figuras humanas que percorriam a cidade e sempre tinham algo a dizer aos que os ouviam pacientemente ou lhes dedicassem certa atenção. Em “Pedras de Rua”, publicado em 1988, ele, biografou 135 insanos, maranhenses e de outras terras, que aqui viviam por conta da solidariedade humana ou ao deus dará.

Da relação pesquisada por Lopes Bogéa, ainda guardo na memória mais de 20: Bota Pra Moer, Só Bogre, Chibé, Domingos Pé Gordo, João Pessoa, Moreno Borges, Mete a Vara, Mocó, Míster, Maria Preá, Mamífero, Pirão Cru, Sopa Fria, Periquito, Pedro Peru, Pato D´água, Rodó, Rei dos Homens, Rafael Canindé e Vassoura.

Bota Pra Moer ficou famoso pela sua atuação na greve contra a posse do governador Eugênio Barros. Numa das tentativas de invasão do Palácio dos Leões a ele entregaram a Bandeira Nacional e comandar a massa. Ao chegar à Avenida Pedro II e avistar os policiais de arma em punho, entregou a bandeira ao primeiro que apareceu e afirmou: – Até aqui eu vim, mas daqui pra frente arranjem outro mais doido do que eu.

Outro personagem citado no livro Pedras de Rua: Mamífero, mais folclórico do que doido. Conta-se que resolveu entrar na política, em 1948, candidatando-se a vereador de São Luis pelo PDC, do austero professor Antenor Bogéa. Num comício, no João Paulo, Mamífero, no auge de seu discurso, disse essa pérola: – Se eleito vou acabar com esse terrível vexame de as mulheres ricas dormirem em colchões de molas e as pobres, coitadas, dormirem em pau duro.

Um dos últimos doentes mentais a circular na Praça João Lisboa, foi Rei dos Homens, que costumava assinar o ponto junto às bancas do Mondego e do João. Toda vez que me via pedia dinheiro e roupa. Um dia, disse-lhe: – Rei, tu vais ser meu dependente na declaração do imposto de renda. Numa prova de ser mais inteligente do que alienado, falou: – Esse negócio de imposto de renda é coisa inventada pelo FMI.

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