UM NOVELEIRO ASSUMIDO

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Sabe-se que grande parte da programação das emissoras de televisão do Brasil pauta-se na exibição de novelas. Só a TV Globo manda ao ar diariamente no mínimo cinco e cada uma delas dirigida para um público específico. Produzidas com esmero, primorosa qualidade técnica e interpretada por artistas de primeira linha, são campeãs de audiência e dominam a programação da empresa dos Marinho.
Vistas por milhões de brasileiros e estrangeiros, de todas as classes sociais, ainda assim há gente que fala mal ou diz bobagens a respeito das telenovelas, como se fossem responsáveis pelo subdesenvolvimento cultural do País.
Por conta desse preconceito, os que se julgam acima do bem e do mal, escondem ou dizem que não as assistem por receio de ser taxadas de atrasadas intelectualmente ou “coisas que tais”, diria o saudoso jornalista, Vitor Gonçalves Neto. Nesse sentido, eu procedo de maneira inversa. Não nego e nem tenho o menor constrangimento de dizer, em alto e bom som, em qualquer lugar e na presença de quem quer que seja que sou um noveleiro assumido. Mais ainda: se tempo tivesse, assistiria as produzidas e veiculadas (sem exceção) pela TV Globo.
Já que o tempo e os afazeres não mo permitem, optei por ver apenas uma: a do horário nobre. Em São Luis ou onde haja sinal da televisão, de tudo faço para não perder um capítulo. Caso não assista, por algum compromisso social ou cultural, mando gravá-la.
Mas de onde vem essa atração por novelas? Respondo com prazer: remonta aos tempos de minha adolescência e morava em Itapecuru. A minha avó materna, Neusa, era viciada em ouvir a Rádio Nacional, que o ditador Getúlio Vargas criara em setembro de 1936, para fazer propaganda de seu governo e do Estado Novo. Em 1951, ela sintonizava a Nacional para ouvir, às 20,30 horas, a rádionovela “O direito de nascer”, da autoria do escritor cubano Felix Caignet.
Como ela sabia que eu gostava de rádio, à época, movido a bateria, chamava-me para juntos ouvirmos as peripécias de “O direito de nascer”, estrondoso sucesso em todo o território nacional e que contava a história de uma jovem (Maria Helena) que engravidou e diante da recusa do namorado (Alfredo) em assumir o filho (Alberto Limonta), teve o parto e entregou a criança à empregada, a negra Dolores, para evitar que o avô (Dom Rafael) matasse o rebento. A mãe virou freira e a criança, educada por Dolores, formou-se em medicina, apaixonou-se pela prima (Isabel Cristina) e salvou a vida do avô odiento. Essa narrativa folhetinesca, em 314 capítulos, ficou no ar quase três anos.
Feita essa digressão, retorno ao assunto da telenovela. A televisão foi inaugurada em São Luis em novembro de 1963. Mas só em julho de 1966, através do sistema “vídeo-tape” os programas produzidos pelas televisões do Rio e São Paulo – novelas, shows, noticiários jornalísticos, transmissões esportivas e outras atrações, passaram a ser veiculados pela TV Difusora, fato que aumentou sensivelmente a audiência da emissora e o comércio da cidade vender um absurdo de aparelhos televisivos.
Salvo melhor juízo, a primeira novela exibida pela TV Difusora foi “Redenção”, produzida pela extinta TV Excelsior. Ficou mais de dois no ar e nela Francisco Cuoco surgiu como galã. Era um médico que chega à cidade de Redenção e desperta a paixão de três mulheres. O grande sucesso do folhetim era a velha Marocas, que falava mal da vida alheia. A personagem foi tão marcante que virou verbo: marocar.
A partir, portanto, de “Redenção”, ainda sem o padrão global, que as novelas vincularam-se ao meu cotidiano noturno. Nessa época, eu namorava Solange e juntos, em sua casa, na Rua de Santana, passamos a ter o hábito de assistir, até hoje, as criações dos dramaturgos brasileiros, que os fabulosos diretores e os extraordinários atores da TV Globo transformam em produções de alto nível artístico.
Meu irmão, Raimundo, que há anos mora em São Paulo e não gosta de novelas, censura-me porque sou um noveleiro assumido. Não admite que um intelectual e membro da Academia Maranhense de Letras seja um fervoroso fã de novela. Replico: reconheço que as novelas não são construtivas do ponto de vista cultural, mas podem ser vistas, principalmente as da TV Globo, não apenas pelos enredos, não raro fúteis e às vezes até perniciosos, mas refletem, quase sempre, a vida e o cotidiano do brasileiro. Quem as assiste há que vê-las num amplo contexto que envolve toda produção novelesca, como texto, diálogos, atuação de atores, técnica, direção, trilha musical, figurino, fotografia, cenário, som, iluminação e outros penduricalhos.

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