A RICA E POBRE IGREJA DO CARMO
Ao longo de meus bem vividos anos de existência, não me lembro de ter visto em algum jornal de São Luis algo semelhante, sob a forma de informe publicitário, e amplamente divulgado nas páginas da mídia impressa.
Trata-se de um anúncio em policromia emitido pelos frades capuchinhos da igreja de Nossa Senhora do Carmo. Nele, os religiosos fazem um apelo patético à população católica para ajudá-los na recuperação do templo, há séculos instalado no Largo do Carmo.
O informe publicitário explica às autoridades e ao povo que as doações podem ser depositadas na Caixa Econômica Federal ou nas casas lotéricas, para serem aplicadas na construção do forro e na pintura interna da igreja.
Ao fazer esse apelo à comunidade, os frades capuchinhos, com humildade e sinceridade, não escondem as dificuldades financeiras que ora vivem. Por isso, não podem, como outrora, assumir a responsabilidade de realizar por conta própria as restaurações e reformas num templo cuja presença na cidade não tem apenas significado religioso, mas também histórico.
Ao compilar o belo livro “Arquitetura e arte religiosa no Maranhão”, editado sob os auspícios do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, vejo que de 1808 a 2007, a igreja de Nossa Senhora do Carmo sofreu 18 reformas ou restaurações, muitas por conta da Província Capuchinha e poucas com ajuda do poder público.
Mas quando a gente vê os frades capuchinhos saírem do seu convento e vir a público pedir socorro às autoridades e à população, para a realização de obras físicas no templo, há que se recuar no tempo e fazer um cotejo entre a igreja do Carmo do passado (rica) e do presente (pobre).
Como estou a ler o extraordinário livro da autoria do escritor francês Jean-Ives Mérien, intitulado “Aluísio Azevedo vida e obra”, no capítulo que trata da relação do romancista maranhense com a Igreja do Maranhão, vejo um artigo do autor de O mulato, publicado no jornal O Pensador, em 10 de agosto de 1881. Nele, o retrato sem retoque do fausto em que vivia a igreja de Nossa Senhora do Carmo em São Luis: “Dantes, quando a ingenuidade e a boa fé eram uma virtude dos maranhenses, não morria fazendeiro rico que não legasse a Nossa Senhora do Carmo algum dinheiro, algumas propriedades ou comumente escravos. Nossa Senhora do Carmo chegou a ser proprietária de uma quantidade enorme de escravos; hoje mesmo creio que o é de muitos. É uma rica capitalista”.
Em complemento ao texto ácido de Aluísio Azevedo, o livro “Arquitetura e arte religiosa no Maranhão” mostra categoricamente: “Na última década do século XVIII foi feito o seguinte inventário dos bens dos carmelitas: dois conventos – um em São Luis e um em Alcântara -, um hospício no Bonfim, com 30 religiosos, 257 escravos, 7 fazendas, com 214 léguas de terra e 640 cabeças de gado vacum e cavalar”.
Agora, a pergunta que não quer calar: quando e como se deu a mudança da opulência para a pobreza da Província Capuchinha do Maranhão? Quem dá a resposta é também o livro do IPHAN ao revelar que a partir do começo do século XIX, após um longo tempo de riqueza e acumulação de bens, “a Ordem Carmelita passou a sofrer um o processo de decadência que se instaurou em todas as demais Ordens Religiosas. Impedidas de receberem noviços, a Ordem teve o seu número de frades drasticamente reduzido, abalando o trabalho que os mesmos praticavam junto à comunidade maranhense”.
Repito o que escrevi no começo deste pedaço de página: pela maneira honesta e franca como os frades capuchinhos trouxeram ao conhecimento das autoridades e da população as vicissitudes financeiras que estão enfrentando, merecem ser ajudados e apoiados, especialmente pelos que se preocupam com a preservação e restauração do patrimônio histórico e religioso de São Luis, da qual a igreja do Carmo é parte integrante e marcante.
Amanhã, se a greve dos bancários já tiver acabado, quero ser o primeiro a entrar numa agência da Caixa Econômica e dar uma contribuição pequena, mas relevante, para a reforma de um templo secular, que tem servido como centro de irradiação espiritual e de ensinamentos úteis à comunidade maranhense. Como se não bastasse, a igreja do Carmo, em 1641, quando da invasão holandesa teve papel importante, sendo utilizada como fortificação para abrigar nossa gente e que resultou em 1643 na expulsão dos batavos do Maranhão. Ao longo da história, o Convento do Carmo também teve outras serventias: quartel da Polícia Provincial, em 1929, primeira sede da Biblioteca Pública, inaugurada em 1831, e Liceu Maranhense, em 1838.
Em épocas mais recentes, era no frontispício da igreja do Carmo que os políticos maranhenses realizavam os comícios e as concentrações populares. Na década de 1950, especialmente os partidos oposicionistas, faziam daquele privilegiado lugar a sua principal tribuna de combate ao vitorinismo. No final dos anos 1960, contudo, a secretaria de Segurança decidiu proibir a realização de comícios no Largo do Carmo, fato que livrou os frades de cedê-lo aos políticos oposicionistas e não ganhar um dinheirinho extra.