Na semana passada, ao homenagear o saudoso Clodomir Teixeira Millet, que no dia 17 de agosto completaria 100 anos, afirmamos que toda a sua vida política foi cimentada num objetivo: combater a grosseira fraude eleitoral que grassava no Maranhão, para desaparecer sumariamente do processo eleitoral do Estado.
O texto não ficaria completo se, entre tantos recursos impetrados por Millet na Justiça Eleitoral, para extirpar a fraude, não apontasse pelos menos dois deles. O primeiro para fulminar as berrantes eleições realizadas na 41ª Zona Eleitoral, da qual faziam parte os municípios de Vitorino Freire, Vitória do Mearim, Lago da Pedra e Arari. O segundo destinado à realização de uma revisão eleitoral para expurgar das folhas de votação os eleitores fantasmas e os votos viciados praticados pelos políticos com a cumplicidade de juízes e membros do Tribunal Regional Eleitoral.
Vejamos o caso da fraude na 41ª Zona Eleitoral, tomando como referência as eleições de 3 de outubro de 1954, em que para disputar os 403.586 sufrágios, o eleitorado fora convocado para renovar os mandatos de dois senadores, dez deputados federais e 40 deputados estaduais.
Convém registrar o incremento substancial do eleitorado maranhense nas eleições de 1954: 133.616 eleitores a mais do registrado no último pleito (27 de novembro de 1953), resultado, sem dúvida, do alistamento feito sob o manto da ilegalidade.
Antes que o eleitorado comparecesse às urnas, o deputado Clodomir Millet, àquela altura um paladino na defesa da verdade eleitoral, em nome do Partido Social Progressista, assestou duas providências para salvaguardar a lisura do pleito: 1) solicitou ao Tribunal Regional Eleitoral a participação das forças federais nos municípios da 41ª Zona Eleitoral, onde a perspectiva da fraude se desenhava com toda a clareza; 2) argüiu a suspeição de cinco juízes integrantes do TRE.
Logo que as urnas começaram a cantar, como se dizia no interior, em todos os municípios, os vitorinistas impunham-se diante dos oposicionistas, levando de roldão as medidas que tentavam impedir ou embaraçar as investidas políticas articuladas e viabilizadas no Palácio dos Leões pelos estrategistas do PSD.
Diante dessa devastação eleitoral imposta pelos governistas, antes mesmo que os oposicionistas formulassem as primeiras ações com vistas a anular as seções eleitorais e/ou impugnar o pleito, o próprio Tribunal Regional Eleitoral tomou uma iniciativa que deixou atordoado todo o segmento político não acostumado a vê-lo assim atuar: no dia 14 de outubro, por unanimidade, anulou as eleições da 41ª Zona Eleitoral, por entender que naqueles municípios, a fraude, além de grosseira e sem limite, ocorreu do alistamento eleitoral até a votação, com o agravante de promovida sob a complacência de um juiz. O grau das ilicitudes foi tão extravagante que dos 31 mil votantes, que participaram do pleito, no máximo, 10 mil eleitores estariam habilitados a exercer o direito ao sufrágio universal, direto e secreto.
Para não prejudicar o andamento das apurações, o TRE decidiu que novas eleições, chamadas de suplementares, só se dariam na 41ª Zona Eleitoral após revisão do eleitorado de Vitorino Freire, Vitória do Mearim, Lago da Pedra e Arari, tomando por base o relatório circunstanciado do juiz Liberato Barroso, que, designado pela Corte Eleitoral, apurou e evidenciou irregularidades escabrosas e infrações ilegais, tais como: falta de organização do cartório que controlava os serviços eleitorais; títulos eleitorais não guardados convenientemente (os antigos amontoados num caixão, os novos amarrados em cima de uma mesa); títulos em branco e com a assinatura do juiz; títulos assinados por supostos eleitores ou pelos encarregados do alistamento e indicados pelos chefes políticos locais; processos de alistamento sem prova de identidade dos alistados e certidões apócrifas.
Inconformados com a decisão do Tribunal Regional Eleitoral, que anulou todo o pleito da 41ª Zona Eleitoral, os candidatos que se consideravam prejudicados, recorrem ao Tribunal Superior Eleitoral e pedem que a egrégia Corte mande apurar os votos dos eleitores dos municípios abrangidos pela anulação da votação.
Surpreendentemente, o TSE, por unanimidade, deu provimento ao recurso dos candidatos prejudicados, ordenando a apuração imediata da votação dos municípios de Vitorino Freire, Vitória do Mearim, Lago da Pedra e Arari, bem como sustando as eleições previstas para a renovação do eleitorado.
O TRE, cujas decisões quase sempre tidas como equivocadas ou tendenciosas pelo TSE, via-se agora na contingência de cumprir uma determinação da instância superior, considerada vergonhosa e que validava uma votação claramente irregular, contaminadas de erros e em conflito com a lei.
Sem alternativa, a não ser a de cumprir a decisão do TSE, o Tribunal Regional Eleitoral envia as urnas viciadas da 41ª Zona Eleitoral para Vitória do Mearim, onde foram apuradas por juízes suspeitos e, como se não bastasse, vigiadas pelas forças federais.
O resultado da apuração das urnas da 41ª Zona Eleitoral, além do escândalo causado, fez alterar a posição dos candidatos na listagem dos eleitos em 3 de outubro de 1954. No PSD, para a Câmara Federal, os candidatos Costa Rodrigues e Freitas Diniz, perderam os mandatos para Cid Carvalho e Pedro Braga; na Assembleia Legislativa, Antônio Enedino, Luis Mário Jácome, Teoplistes Teixeira, Osvaldo Gomes e Joel Barbosa foram substituídos por Raimundo Bogéa, Henrique Costa Fernandes, Eusébio Trinta, Pedro Brito e Erasmo Dias. No PSP, para a Câmara Federal, Afonso Matos perdeu o mandato para Neiva Moreira, enquanto na Assembleia Legislativa, José Clementino Bezerra e Ignácio Torres Rangel foram substituídos por José Maria de Carvalho e Manoel Fernandes Ribeiro; No PR, para a Assembleia, caiu João de Carvalho e entrou Manuel Gomes.