A FAMIGERADA LEI DO CÃO
A Constituição Federal do Brasil, no seu artigo 59, estabelece que o processo legislativo compreende a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.
No Maranhão, não os legisladores, mas o povo na sua invejável sabedoria criou mais uma lei. Conquanto não tenha sido introduzida na Carta Magna do Estado, recebeu o nome de Lei do Cão.
A lei começou a ser conhecida em nossos meios jurídicos e políticos a partir do governo João Castelo (1979-1892), quando 50 mil pessoas foram nomeadas pelo chefe do Poder Executivo, para atender pedido de correligionários políticos. Até antes dessas nomeações, figuravam na folha de pessoal do Estado do Maranhão 25 mil servidores, fato que significou uma majoração substancial nas despesas fixas do governo. Segundo estimativas dos técnicos fazendários, esses 50 mil servidores foram nomeados em um ano e meio de governo, ou seja, média de 92 nomeações por dia.
No livro de Eliezer Moreira Filho, “História que os jornais não contaram”, há um capítulo totalmente dedicado à inchação irresponsável da folha de pessoal do Estado. É com base no trabalho do ex-secretário de Administração, aliás, bem elaborado e sem paixão política, respaldo-me para fazer algumas considerações sobre a famigerada Lei do Cão, que muita gente fala, mas poucos sabem como surgiu e foi implantada no Maranhão.
Eliezer começa afirmando que dos 50 mil servidores introduzidos na folha de pagamento do Estado, 17 mil foram nomeados mediante uma lei que o governador João Castelo conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa pela esmagadora maioria parlamentar que o apoiava.
Por que a lei conquistou o nome de Lei do Cão? Ele responde: “Pelo fato de os servidores contratados por tal lei não contarem com férias, 13º salário, licença saúde, licença gestante, licença especial e para não alongar a lista, não possuir absolutamente nenhum direito”.
Foi esta herança maldita que o governador João Castelo transferiu para o seu sucessor- Luiz Rocha, que ao chegar à frente do Poder Executivo deparou-se com um problema terrível e complicado, uma vez que os servidores públicos estaduais estavam enquadrados em três categorias bem distintas: os amparados pelo regime da Consolidação do Trabalho; os amparados pelo regime do Estatuto dos Funcionários Públicos; e os amparados por nenhum regime, a Lei do Cão.
Com essas três categorias funcionais penduradas na folha de pessoal, reinava total e absoluta anarquia no sistema administrativo-financeiro estadual, haja vista a presença de cargas horárias de trabalho diferenciadas, tarefas e atribuições nada compatíveis, áreas de lotação sem controle, enfim, uma imensa confusão.
A situação chegou a um ponto de tamanha desorganização, que o governador Ivar Saldanha, que assumiu o governo em substituição a Castelo, que se desincompatibilizara para concorrer às eleições de senador, tomou uma decisão inadiável e imperiosa. Para por ordem na máquina administrativa, implantou duas jornadas de trabalho aos servidores públicos. No turno da manhã, trabalhava uma parte do pessoal; no turno da tarde, a outra parte. Havia também um controle para os servidores especiais baterem o ponto uma vez por semana. Num dia eram as letras A, B, C. No dia seguinte, E, F, G e assim por diante.
Para corrigir essa anomalia, a solução mais recomendável e legal seria a realização do concurso público. Mas foi imediatamente descartada, diante da possibilidade de milhares de pessoas contratadas pela Lei do Cão serem reprovadas, pois a grande maioria dos nomeados não estava habilitada a atuar na função. Também pesou o desemprego que fatalmente ocorreria no Maranhão. Demitir, naquela altura dos acontecimentos, seria coroar Castelo como um governante benevolente e altruísta e dar a Luis Rocha o título de perseguidor e malvado.
Para encontrar uma solução, sem confrontos e inquietações, o governador Luiz Rocha convocou Eliezer Moreira para assumir o cargo de Secretário de Administração, confiado na sua competência e experiência.
Depois de vários estudos, Eliezer e sua equipe tomaram algumas providências que concorreram para resolver o impasse causado pela Lei do Cão. Primeiro, a realização do cadastramento geral para conhecer quem é quem e que o fazia. Só com essa medida, reduziu-se a folha de pessoal. Segundo, estabelecimento de regras de conversão do quadro CLT para o quadro estatutário, com vantagem de progressão funcional. Terceiro, os nomeados pela Lei do Cão poderiam optar para o quadro estatutário dos servidores públicos, assim os servidores amparados por ela passariam a ter existência jurídica, visibilidade e a gozar das vantagens e segurança funcional. Quarto, como a maioria dos nomeados estava na categoria dos professores, foi negociado com os parlamentares uma legislação que permitisse o aproveitamento deles nas funções do magistério até a ocorrência de concurso público.
Foi assim que a Lei do Cão sumiu do mapa e da vida do funcionalismo público estadual. Recentemente, quando da discussão do Estatuto do Magistério, a Lei do Cão voltava à cena. Como hoje em dia ela não passa de um fantasma, que requiescant in pace.