Envaideço-me de ser amigo fraterno do cidadão e político José Sarney, do qual tenho recebido, sempre, demonstrações de apreço pessoal.
Não é de hoje que ele dispensa-me gentilezas, fazendo que eu as retribua com a mesma intensidade e afeto. São frutos da admiração recíproca nas áreas políticas, humanas e intelectuais.
Não foram poucas às vezes em que pude avaliar e ter a certeza de que essa amizade é verdadeira, sincera e duradoura. Agora mesmo, chega às minhas mãos um documento que me deixou emocionado, feliz e honrado. Em meio a tantas homenagens e mensagens de amigos, por causa da sessão especial, realizada pela Assembleia Legislativa, no dia 18 de fevereiro último, que simbolicamente devolveu-me o mandato eletivo, violentamente extorquido em abril de 1964, de Sarney recebo uma carta singela, calorosa e histórica.
Vou torná-la pública, para que se possa dimensionar o lado solidário do seu remetente: “ Meu caro Buzar. Quero abraçá-lo afetuosamente e dizer da minha satisfação pela solenidade da Assembleia Legislativa reparando-lhe, simbolicamente, o ato de truculência cometido contra você durante aqueles primeiros dias da Revolução de 64.
“ O Maranhão, para tristeza nossa, foi um dos poucos estados em que se aproveitou a perplexidade do momento para que a Assembleia pudesse fazer uma limpeza de adversários, um gesto que nem dos chefes da Revolução obteve concordância.
“ Como disse em artigo, o presidente Castelo Branco, ao tomar conhecimento das cassações no Maranhão, mandou que os comandantes militares de todas as Regiões interviessem para que as Assembleias Legislativas se abstivessem de determinar punições, o que somente a eles era reservado.
“À época, ao que me consta, passou pelo Estado um enviado do presidente Castelo com essas determinações.
“ O Congresso Nacional não fez nenhum ato de cassação de colegas; todas as cassações de parlamentares foram determinadas por militares com base no AI-1 e, em algumas vezes, o Parlamento, como no gesto do presidente da Câmara de Deputados, Adauto Cardoso, recusou-se a cumpri-las.
“ Sei perfeitamente que o ato do deputado Arnaldo Melo, igual ao que fizemos no Senado, com relação ao presidente Juscelino Kubitscheck, não apaga a mancha da injustiça que lhe foi perpetrada, mas, sem dúvida alguma, representa o resgate para a memória do presente do quanto você representa em dignidade política, sendo vítima de uma época que, felizmente, foi ultrapassada pela História do Brasil. Receba um abraço afetuoso do seu amigo, José Sarney”.
O autor desta carta teve soberbas razões para guardar certas reservas à minha pessoa, pois, em 1965, quando das eleições ao governo do Estado, eu, já com o mandato cassado pela Assembleia Legislativa, atirei-me de corpo e alma na campanha sucessória, ficando ao lado da candidatura de Renato Archer.
Em se elegendo governador, Sarney poderia vingar-se quando Joaquim Itapary indicou-me para fazer parte do corpo técnico da Sudema, o principal órgão do governo, que cuidava do planejamento, controle e aplicação dos recursos estaduais nas obras de infra-estrutura. Ao contrário, não fez qualquer restrição ou oposição, dando importância ao meu ingresso no setor público, do qual estava à margem e sendo mal visto pelas forças da repressão.
Mais ainda: quando os militares começaram a pressionar Sarney para que fizesse um completo expurgo na máquina administrativa do Estado, que estaria contaminada e ocupada por “elementos subversivos”, do quilate de Bandeira Tribuzi, Joaquim Itapary, Mário Leal, Celso Coutinho, Sálvio Dino, Arlindo Raposo, eu e mais outros, o que se viu?
Foi o jovem e corajoso governador sair em defesa dos acusados de “práticas subversivas”, bem como repudiar as tentativas de demiti-los sumariamente do governo. Assim procedia porque acreditava que estávamos engajados no projeto de fazer o Maranhão sair do estágio de abandono e do secular atraso político, social e econômico em que se encontrava.
Por causa dessa indomável posição, José Sarney por pouco não foi degolado pelo Ato Instituição -5. Sua cabeça foi reiteradamente colocada na mesa, tanto que chegou a emitir um manifesto ao povo maranhense, em que relatava as pressões que vinha sofrendo e, se perdesse o mandato de governador, deixaria o Palácio dos Leões ciente do dever cumprido.
Esse é o lado altamente positivo de Sarney, que pouca gente, nos dias correntes, conhece e procura minimizá-lo. Alguns por desinformação, outros por ignorância ou má-fé. Trata-se de uma operação macabra, visando distorcer a sua imagem política e apresentá-lo como um carreirista ou obcecado pelo poder, o que não corresponde com a verdade e a realidade.