OPERAÇÃO CONTRA REVISTA O CRUZEIRO
Em dezembro de 1954, o senador Antônio Bayma e o suplente Newton Bello renunciaram aos mandatos, ensejando que no Maranhão fosse realizada uma intempestiva eleição, com o objetivo de eleger um candidato derrotado na Paraíba, que não poderia ficar sem mandato no Senado, por imposição da cúpula do PSD.
Da disputa política que levou o jornalista Assis Chateaubriand ao Senado da República, como representante do Maranhão, veio a lume um episódio de grande repercussão nacional: a destruição da edição especial de O Cruzeiro, revista semanal que em seu auge(anos 1950) atingiu uma tiragem de 700 mil exemplares, para uma população de 50 milhões de brasileiros.
Dias antes da realização do pleito senatorial (março de 1955), estudantes da Faculdade de Direito, liderados pelo jovem universitário Luís Almeida Teles, revoltados co m o processo pelo qual se daria o mandato a Chateaubriand, tomaram a iniciativa de fundar um comitê destinado à arregimentação e combate ao candidato do PSD.
Bem articulados, promoviam reuniões, faziam comícios, passeatas e manifestos contra o dono dos Diários Associados e o desembargador e professor da Faculdade de Direito, Raimundo Públio Bandeira de Melo, candidato a suplente de senador.
O Partido Comunista combatia com veemência os Diários Associados e devotava à figura de Chateaubriand desmedida ira. Por isso, mandou a São Luís dois próceres de sua direção nacional, Aristides Saldanha e Henrique Miranda, para participarem da campanha eleitoral, ajudando os oposicionistas.
Aqui, os membros do PC receberam a informação de que O Cruzeiro, nas proximidades do pleito senatorial, publicaria ampla e especial reportagem, da autoria do jornalista David Nasser, sobre a vida e obra de Chateaubriand, intitulada “O Velho Capitão”, a ser distribuída gratuitamente à população de São Luís.
Além disso, também comunicaram com precisa exatidão o dia e a hora da chegada do avião a São Luís, trazendo milhares de exemplares da revista. Consultado pelas lideranças oposicionistas a respeito da operação, que, se bem executada, poderia impedir a revista de chegar às mãos do eleitorado maranhense, o universitário Luis Teles, membro do PC, não pensou duas vezes. Aceitou o desafio, embora considerasse a missão arriscada. Seria ele o agente de uma melindrosa operação, que, se bem-sucedida, contribuiria para impor à candidatura de Chateaubriand um tremendo golpe e desarticularia as ações que os vitorinistas preparavam para fazer aquela eleição tranqüila e creditada à poderosa estrutura do PSD no Maranhão.
Ao receber a ordem para a execução da operação, Teles deparou-se com séria dificuldade: carecia de um transporte adequado para trazer as revistas do aeroporto. O candidato das Oposições, coronel da Aeronáutica, Armando Serra de Menezes, que achou o plano formidável, conseguiu um jipe do presidente regional da União Democrática Nacional, Alarico Pacheco, para fazer o serviço.
Por volta das 14 horas, Teles e dois auxiliares, um deles o jornalista Ubiratan Teixeira, rumaram para o aeroporto à espera do avião. Após os procedimentos de desembarque, apresentou-se ao gerente da empresa aérea, Francisco Pinto Lima, como autorizado a receber a carga dos Diários Associados.
Nesse momento, surge um problema, de natureza emergencial: o jipe era pequeno e não comportava a grande quantidade de revistas. Mais uma vez a sagacidade de Teles funciona. Ele pede ao gerente para levar a carga à agência da empresa aérea, localizada na Travessa da Passagem, onde iria buscá-la.
Para a viabilização dessa arriscada operação, Teles conta também com a participação do barbeiro Alcides Alves Cardoso, oposicionista intransigente e devotado às causas contra os vitorinistas. Recebidas as revistas foram elas levadas para uma casa localizada no bairro do João Paulo, transladação essa que acabou por volta das duas horas da madrugada.
Faltava agora cumprir a última etapa da operação: a destruição das revistas, que deveriam ser literalmente incineradas. Enquanto providenciavam o transporte das revistas para o interior da Ilha, onde ao amanhecer do dia se daria a incineração, o Sr. Hamilton Costa, proprietário da livraria A Colegial, localizada na Praça João Lisboa, e distribuidora de O Cruzeiro, foi receber as revistas e providenciar a distribuição das mesmas.
O comerciante foi então surpreendido com a notícia, dada pelo próprio gerente, de que todos os exemplares da revista já haviam sido entregues a uma pessoa, supostamente credenciada para recebê-las.
O caso foi imediatamente comunicado ao Palácio dos Leões, que logo mobilizou a Polícia Civil para desvendar o desaparecimento das revistas e descobrir os autores do crime. O mais famoso delegado de São Luís, Benedito Penha, entrou em ação com o propósito de encontrar os envolvidos na operação. A imprensa Associada caiu em campo e passou a orientar as diligências e a divulgá-las.
Por efeito da atuação eficiente das forças policiais, encontraram-se as primeiras pistas que levaram o delegado aos autores do crime. Uma pessoa viu quando Teles, no aeroporto do Tirirical, recebeu a carga, sendo, por isso, denunciado.
Se Teles e Alcides foram bem-sucedidos na apropriação das revistas, o mesmo não se pode dizer do processo da destruição. Descuidaram-se quanto ao tempo, dando condições à Polícia de salvar quase todos os exemplares de O Cruzeiro, que foram dadas à população, como propaganda eleitoral do candidato Assis Chateaubriand. O delegado conseguiu prender os responsáveis pelo crime e submetê-los a rigoroso inquérito policial.
Luís Teles passou poucas horas na prisão. Os partidos oposicionistas logo impetraram a seu favor um habeas corpus. Em sessão extraordinária, o Tribunal de Justiça do Estado, sob a presidência do desembargador Bento Moreira Lima, conhecido por sua postura democrática, apreciou e julgou o processo, sendo Teles imediatamente solto e o inquérito perdeu-se na poeira do tempo. A sessão do Tribunal de Justiça realizou-se à noite, fato inédito na vida do Poder Judiciário do Maranhão.