O regime republicano ainda estava em fase de acomodação e seus adeptos lutando para torná-lo irreversível, eis que, no Maranhão, um episódio grave e intempestivo vem à tona. Pela repercussão no país, foi preciso que os mais altos detentores do poder, inclusive o próprio marechal Deodoro da Fonseca, agissem com medidas urgentes e enérgicas para evitar que a nova ordem política surgisse sob o fogo cruzado da Igreja Católica Apostólica Romana.
Tudo começou com a nomeação no dia 17 de dezembro de 1889 do advogado maranhense, radicado no Rio de Janeiro, Pedro Augusto Tavares Junior, para chefe do Executivo do Maranhão, em substituição à Junta Governativa. Seis dias após a posse, além de anular todos os atos da Junta Governativa, que causou mal-estar entre os republicanos de primeira hora, o novo governante assina um decreto que nem o presidente da República ousou fazê-lo.
O governador, sem consultar nenhuma autoridade superior, no dia 23 de dezembro, por meio de decreto de conteúdo explosivo e temerário, extingue os subsídios pecuniários às instituições religiosas, aos cultos e sacerdotes, estes, considerados, até então, servidores públicos.
A reação ao decreto governamental fez-se imediata. O clero maranhense logo mobiliza a sociedade, quase toda ela católica, e o episcopado nacional, para fazer o Governo Federal sustar aquele ato, que poderia comprometer as boas e seculares relações entre o poder temporal e o espiritual.
Ao chegar ao Palácio do Catete mensagem do bispo, Dom Antônio Cândido Alvarenga, dando conta do impensado decreto, o ministro do Interior, Aristides Lobo, surpreso, desaprova o ato do governador e manda suspender a sua execução, no disposto de que a matéria era da competência do Governo Federal. Pedro Augusto não se intimida e informa ao ministro que o decreto era democrático, atendia a interesses orçamentários e da alçada estadual.
O ministro, agora, mais enérgico e contundente, contesta os argumentos do governador, quanto à competência do ato, mostra os problemas que poderiam ocorrer no país, no tocante à liberdade de cultos religiosos, bem como as inconveniências para a consolidação do regime republicano, motivos que exigem a suspensão imediata do decreto.
Até o ministro da Fazenda, Rui Barbosa, defensor intransigente da separação da Igreja do Estado, assusta-se com o decreto e, em termos veementes, chama a atenção do governador para a sua indevida intromissão no assunto.
Como Pedro Augusto teimava em não revogar o decreto, o presidente da República, Deodoro da Fonseca, encaminha-lhe esta incisiva mensagem: “Anule seu decreto negócios eclesiásticos. Medida extemporânea e inconveniente. Trata-se organizar projeto de lei separação Igreja Estado modo aconselhado atualidade”.
O governador, audaciosamente e sem mudar de pensamento, comunica ao marechal-presidente que: “Meu decreto contém medidas de exclusiva competência deste governo porque dizem respeito a este Estado. Quanto aos princípios, fiz a única declaração compatível com o regime republicano e digno de um governo esclarecido, pois nenhum brasileiro deve querer para sua pátria o clericarismo de algumas repúblicas de origem espanhola”. E arremata: “No meu decreto salvei as deliberações anteriores dos poderes federais. Mandais agora que eu casse ou anule o meu decreto e eu tenho a honra de solicitar minha demissão”.
O posicionamento do governador deixa o Governo Federal numa saia justa. Enquanto o ministro Rui Barbosa pedia a Pedro Augusto tempo para decidir sobre a delicada questão, o ministro Aristides Lobo aceitava a demissão e ainda solicitava nomes para o provimento do cargo.
Se os ministros da Fazenda e do Interior batiam de frente, o presidente Deodoro Fonseca, agia de modo diferente e autoritariamente. Ao tenente-coronel João Luiz Tavares, comandante do 5º Batalhão de Infantaria, ordena passar por cima do governador e declarar nulo o decreto, que já causava celeuma e preocupação ao Poder Central, que não desejava atritar-se com o clero, no momento em que o novo regime precisava de apoio da sociedade.
Indignado com o gesto do presidente da República, que o desmoralizou publicamente, o governador não ficou quieto. Ao contrário, por meio de nota oficial e mensagem telegráfica aos ministros do Interior e da Fazenda, manifesta revolta pela maneira deselegante e grosseira como foi tratado pelo chefe da Nação, que não respeitou a sua autoridade e ofendeu a honra dos maranhenses, até porque já havia pedido demissão do cargo.
Para não criar mais problemas ao Estado do Maranhão, cuja vida administrativa já sinalizava instabilidade, o ministro do Interior autoriza Pedro Augusto a transmitir o cargo de governador para o chefe de Polícia, Eleutério Muniz Varela, ato ocorrido em 3 de janeiro de 1890.