Nestes dias que antecedem as eleições, a opinião pública maranhense tomou conhecimento de um despacho do ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, dando provimento a uma reclamação ajuizada por uma coligação partidária e ainda suspendeu, liminarmente, os efeitos do acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão.
No seu atrevido despacho, o ministro disse que “Em um exame pericial desta reclamação constitucional, verifico que o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão afrontou a autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal, que validou a Lei da Ficha Limpa e a retroatividade dos seus efeitos”.
Não foi a primeira vez que ministros do TSE se insurgiram contra as decisões tomadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão. Quem recorrer aos livros “O Vitorinismo”, de minha autoria, ou “Síntese Histórica do TRE do Maranhão”, de Milson Coutinho, comprovará os inúmeros episódios e casos em que as duas instâncias da Justiça Eleitoral entraram em conflito.
Nas décadas de 1950 e de 1960, não foram poucos os momentos em que o TSE e o TRE discreparam e ficaram distantes um do outro. Foi uma época em que o Tribunal Regional Eleitoral, quase sempre, se comportava como um órgão auxiliar do Poder Executivo do Estado, fato que levava o Tribunal Superior Eleitoral a não contemporizar com as parcialidades dos juízes maranhenses.
Pode-se dizer que aquela foi uma fase de trevas e de constrangimento que viveu o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, quando, invariavelmente, julgava ao arrepio da lei ou fazia vista grosa às irregularidades praticadas pelos partidos governistas. Na contra mão dessa conduta, o TSE, além de por abaixo as decisões do TRE, que maculavam as eleições e prejudicavam sensivelmente os partidos e os candidatos oposicionistas, ainda vergastava os juízes que se subjugavam aos interesses do Palácio dos Leões.
Vejamos alguns casos que evidenciaram conflitos entre o TSE e o TRE. Nas eleições de outubro de 1953, para a vaga do falecido senador Clodomir Cardoso, disputada entre os candidatos Carvalho Guimarães, do PSD, e Henrique de La Rocque Almeida, o Tribunal Regional Eleitoral, antes de o pleito acabar, diplomou o candidato governista, garantindo-lhe assim o direito de imediatamente tomar posse no Senado. As oposições impetraram recurso contra aquela decisão e o TSE mandou anular a diplomação do candidato vitorinista, baseado no parecer do relator, ministro Afrânio Peixoto, configurada nesse libelo: “É preciso que o TRE do Maranhão aprenda cumprir a lei. Se tal não acontecer, nós o faremos cumprir”.
Em outro pleito, também para o Senado, em disputa da vaga do senador Antônio Bayma, que renunciara ao mandato, o TSE marca as eleições para 20 de março de 1955. O TRE propõe nova data, mas o Tribunal Superior Eleitoral não aceita e manda a corte regional cumprir a sua decisão.
Ainda, com relação a esta eleição, o TRE, em decisão inesperada, não registra a candidatura do jornalista Assis Chateaubriand ao Senado, atendendo impugnação das Oposições Coligadas. Incontinenti, o PSD impetra mandado de segurança e o TSE manda o TRE validar os documentos do processo e conceder o registro requerido, fato que leva Chateaubriand a dedicar um violento artigo contra os juízes maranhenses. Eis um trecho: “A oposição maranhense pensa vencer, por passe de mágica, com injeções de cafeína, que está recebendo de juízes desalmados, cujas barbas e cujo bodum africano o Superior Tribunal lavou com creolina e sapólio.”
Nas eleições de outubro de 1955, a vitória aos candidatos do PSD, ao governo do Estado, Matos Carvalho e Alexandre Costa, foram impugnadas pelas Oposições Coligadas, sob alegação da ocorrência de grosseiras fraudes. O TSE, depois de anular o pleito da 41ª Zona Eleitoral, marca as eleições complementares para abril de 1956.
Mas o TRE, atendendo recursos dos partidos oposicionistas, desmarca a data, sob o fundamento de que as revisões no eleitorado daquela Zona Eleitoral teriam se processado irregularmente. O PSD, como sempre, recorre da decisão e, por unanimidade, o TSE anula não somente aquela, mas todas as decisões do TRE, no entendimento de que estava ilegalmente constituído.
Como o espaço é curto, só mais uma. Em novembro de 1956, o desembargador Fausto Fernandes, renuncia a presidência do TRE, sendo substituído pelo vice, Palmério Campos. A maioria da Corte maranhense entende que a renúncia do presidente ensejaria nova eleição, destituindo imediatamente o desembargador Palmério Campos. Este, inconformado e com o seu direito lesado, recorre ao TSE, através de mandado de segurança.
A Corte superior, já insatisfeita com o comportamento de alguns juízes, reintegra o desembargador Palmério no cargo, com base no fato de que era inédita na vida judiciária do país a destituição de um presidente de Tribunal eleito por voto unânime e, 24 horas depois, ser destituído.