Em Itapecuru, os atos da liturgia católica, que marcavam o período da Semana Santa, começavam com a tradicional missa da Quarta-Feira de Cinzas, quando o povo era despertado pelos sinos da igreja de Nossa Senhora das Dores, convocando-o para a purificação da alma e o perdão a Deus pelos excessos cometidos no reinado de Momo.
Por volta das 6 horas, o vigário da época (padre Alfredo Bacelar, Alteredo Soeiro ou José Albino Campos) devidamente paramentado se dirigia para o altar-mor da igreja, onde ministrava a cerimônia litúrgica. Ao final da celebração, os fiéis, contritos e arrependidos, deixavam a igreja levando na testa a marca do sinal da cruz feita de cinzas. Era o prenúncio da quaresma, em que os católicos se preparavam para acompanhar e sentir em toda a plenitude a Vida, Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo.
Quaresma significa quarenta dias, tempo intenso para a prática dos ofícios cristãos – missas, rezas, ladainhas, vias-sacras, adorações e vigílias, ministradas pelo vigário da paróquia, que, com ajuda das corporações religiosas – as Filhas de Maria e os Vicentinos, prestavam assistência espiritual à comunidade e montavam o cenário onde as imagens dos santos, protegidas por um manto roxo, traduziam a dor e o sofrimento de Cristo.
Pelo calendário da quaresma, após a Missa de Cinzas, vinha o Domingo de Ramos, cuja celebração carregava um simbolismo especial: a triunfal entrada de Jesus Cristo em Jerusalém, como Rei dos Judeus, ato que exigia missa cantada e rezada em latim, com a participação da banda de música local.
Ao final da cerimônia religiosa, cada católico se dirigia ao altar-mor, onde os coroinhas entregavam pequenos ramos de palmeira.
Durante a Semana Santa, os itapecuruenses, com fervor, cumpriam as recomendações ditadas pelos cânones do catolicismo e consolidadas pela tradição, que exigiam dos fiéis sacrifícios materiais e espirituais, tais como: não consumir carne vermelha, só frango e peixe; não ingerir bebidas alcoólicas; não participar de festividades ou eventos que comprometessem o sentimento religioso; impor-se ao império do silêncio; evitar roupas extravagantes ou excessivamente coloridas; optando pela indumentária discreta; praticar o jejum na Sexta-Feira da Paixão, sem esquecer as penitências, como forma de remissão dos pecados.
Com respeito aos atos litúrgicos realizados no interior da Casa de Deus, alguns ocorriam durante o dia, outros ao longo da noite. Uma cerimônia se destacava pelo significado emblemático: o Lava-Pés, na Quinta-Feira Santa, com o sacerdote lavando e beijando os pés de doze jovens, que, de vestimentas brancas, representavam os apóstolos.
O Lava-Pés revestia-se de singularidade especial e até hoje não consigo esquecê-lo. Eu, meu irmão Raimundo, Nonato Cassas, Wady Fiquene Filho e José Raimundo Cardoso dentre outros, enquanto adolescentes, éramos sempre convocados para figurar naquele ritual, vivido sob forte dose de emoção.
Mas estava reservado para a Sexta-Feira da Paixão o dia mais comovente da Semana Santa. A tristeza invadia a cidade e contaminava católicos ou não. Pairava no ar o sentimento da melancolia e da tristeza. O ambiente tétrico impunha-se em toda plenitude e conduzia à reflexão em torno do martírio de Cristo.
O ponto culminante desse dia ocorria por volta das 5 horas da tarde, com a participação da multidão na procissão do Senhor Morto, que percorria as principais ruas da cidade. De vez em quando a procissão parava. Rompia-se o silêncio e os olhos e os ouvidos dos fiéis se voltavam para duas figuras humanas: o sacristão, que conduzia à mão uma engenhoca chamada de matraca, substituta do sino e produzia um som suave e adequado ao ritual; e a Verônica, representada e interpretada por moças da sociedade itapecuruense: Petinha Buzar, as irmãs Nazete, Darcy e Socorro Fonseca, e Idalina Cardoso.
Rezava o ritual que Verônica ficasse em posição de destaque para que todos pudessem vê-la e ouvi-la. Autêntica cena de teatro a céu aberto, que se repetia por diversas vezes em pontos estratégicos da cidade e causava emoção, porque ela cantava músicas sacras e mostrava um manto com a imagem de Cristo. Nesse instante, o silêncio dava lugar às palmas.
Acabada a encenação bíblica, a procissão voltava ao seu curso normal e os fiéis entoavam cânticos religiosos. Cumprido o roteiro, o povo se aglomerava na nave da igreja e rente ao caixão fúnebre rezava e fazia reflexões sobre o
padecimento do filho de Deus.
Para os católicos, a Semana Santa não acabava com a procissão do Senhor Morto. O Sábado da Aleluia e o Domingo de Páscoa anunciavam tempos em que a tristeza cedia lugar à alegria. Além das comemorações alusivas à Ressurreição do Salvador, pontificavam as manifestações profanas, tendo como alvo a figura bíblica de Judas, estigmatizada pelo seu comportamento indigno e de traidor. A cidade amanhecia com os Judas da vida, sob a forma de caricatos bonecos, pendurados em postes, alguns bem arrumados, outros desengonçados e mal confeccionados, para os quais convergia a sanha popular, que não os poupava da malhação ou da queimação.
Fixados nas áreas mais movimentadas da cidade, preferencialmente na Praça da Cruz, onde ficavam expostos à curiosidade do povo. O espetáculo do massacre, assistido e aplaudido pela comunidade, realizava-se ao som da banda musical e sob intenso foguetório.
Antes da morte anunciada do Judas, as atenções se voltavam para o testamento, por meio do qual o traidor deixava às autoridades e pessoas influentes da cidade, heranças benditas ou malditas. Escritos com pitadas de humor e de ironia, os testamentos causavam hilaridade, mas também provocavam insatisfações aos que não estavam acostumados com aquele tipo de brincadeira.
O encerramento da Semana Santa ocorria com a celebração da Ressurreição. A igreja se engalanava e os itapecuruenses, com fé e devoção, participavam da gloriosa missa, ministrada com pompa pelo sacerdote, que a celebrava em latim, ainda que ninguém a entendesse.